terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Depois do ensaio

Uma pausa para perguntas. Você sabe o que é alegria não sabe? Sabe o que é estar vivo pelo menos? Já sentiu constrangimento alguma vez? Por quê eu não vejo nada disso aqui? Será que é tão difícil assim? Ele continuava à criticar duramente a minha atuação lá de sua cadeira perto da coxia. Eu já estava esgotado fisicamente e aquelas palavras me entorpeciam. Meu corpo começava a pender levemente para os lados em círculos, enquanto eu via o rosto dele começar à girar. Toquei minha própria mão e a sensação era de estranhamento, como se eu estivesse tocando em algo que não fazia parte de mim, um corpo estranho.
Eu sabia muito bem o que estava acontecendo eu infelizmente compreendia porquê ele fazia isso. Mas eu não queria saber, não queria compreender. Eu queria pular daquele torpor direto para o pescoço dele, eu queria esganá-lo, socá-lo até ver o sangue descer. No entanto eu ia cada vez mais afundando naquela escuridão interior que me desligava de mim mesmo. Vi seu rosto assustado antes da escuridão tragar a minha vista e meu corpo deslizar para o chão frio do palco. Quando abri os olhos ele me segurava perguntando:
– O que foi?
– É que eu não sei viver. Balbuciei ainda atordoado, tentando me explicar.
– O quê? Do que tu estás falando?
Não respondi. Quando tudo terminou fui embora andando pela noite vazia. Remoendo calmamente os pensamentos enquanto tropeçava aqui e ali, por não prestar atenção ao caminho. Não precisava reparar no caminho, meus pés guiavam-me no automático depois de tanto fazer aquele percurso.
Os pensamentos voavam sem que eu conseguisse parar com mais calma em pelo menos um. Havia apenas o zunido deles passando pela minha cabeça. Foi quando tropecei em um deles. Pensava nas pessoas que havia conhecido de uns tempos pra cá e nos amigos mais antigos, quando percebi que todos eles e o que eu sentia por cada um parecia ser muito mais vivo em pensamentos do que na realidade. Antes que este escapasse, me agarrei à isso e relembrei minha palavras ao levantar do tombo “é que eu não sei viver”. Soou estranho de se dizer. E cada vez que eu repassava aquele pensamento aprisionado eu via todos que eu conheço com mais cor. Muito mais do que quando os encontrava na rua. Todos, do amigo mais íntimo ao parente mais distante. Trancafiei o máximo que pude essas cores do meu pensamento e conclui, ao chegar em casa vou guardá-las e levarei amanhã ao ensaio, talvez sirva pra algo. Dei uma risada disso, e rápido me lembrei que estava andando só pela rua, parei de rir, olhei em volta e continuei indo para casa.

Um comentário:

Jússia Carvalho disse...

Desculpa invadir teu blog, mas adoooooorei teu texto. A tua descrição nos transporta livremente e espontaneamente para o texto.
Adooorei!